Telas não ensinam
Precisamos repetir essa frase no nosso pensamento, sem pular um dia sequer. Como é difícil escorregar nessa armadilha, cair numa falsa ideia de que estamos aprendendo algo no computador, tablet ou celular. Digo isso porque preciso falar sobre um tema urgente para quem usa plataformas de treinamento (vou substituir aqui a palavra “ensino”). São várias. Cito algumas para que vocês possam saber do que estou falando, mas seria impossível mencionar todas, já que a cada momento surge algo novo na Internet. Algumas das plataformas que tenho mais contato são Google Classroom; Kahoot; IXL; e Quizlet. Não estou falando somente de crianças e adolescentes no período escolar. Também estão incluídos os adultos, principalmente para aprender uma nova língua. Ou vocês nunca ouviram falar do aplicativo Duolingo?
Venho acompanhando com preocupação o uso do computador pela minha filha mais velha e percebo que, em geral, ela pula de uma plataforma para outra, alterna com a troca de emails para as amigas e assim vai ficando cada vez mais viciada no formato "jogo educativo". O laptop é da escola, mas ela traz todo dia para casa. Colocamos alguns limites para o uso do laptop, principalmente o tempo, o local onde ela utiliza (sempre na sala) e com adultos por perto.
O problema é a ideia de recompensa, prêmio e a repetição até que esse troféu seja atingido. O programa é feito para que o tempo diante da tela seja prolongado ao máximo. As crianças e adolescentes não aprendem ali, elas repetem, reproduzem à exaustão um conteúdo que não necessariamente foi compreendido por completo. Por isso, o papel fundamental de professores em sala. Ali, sim, é possível trilhar um caminho. Percorrer cada etapa do conhecimento. Fazer uma experiência com a presença de alguém que se preparou para conduzir estudantes, estar diante deles, ensinando e trocando ideias também. Aliás, feliz dia dos professores para todos que ensinam!
Deixo aqui para vocês verem algumas das plataformas que foram citadas:
Dicas para um uso consciente dessas plataformas:
1- Limite o tempo diário. Em geral, 20 minutos no máximo. Combine antes como esses 20 minutos vão ser utilizados. Afinal, até plataforma para aprender a digitar melhor pode deixar a criança viciada.
2 - Esteja por perto. Se você precisa cozinhar, ir para outro lugar, peça para a criança ficar perto de você com o laptop. Tela precisa ser supervisionada sempre.
3- Não incentive os prêmios dados pelas plataformas. Diga que o certificado, o bônus ou o troféu não são o objetivo do ensino.
Palavras e frases na primeira infância
É engraçado ouvir crianças pequenas de 2 ou 3 anos com discursos de adulto. Muitas vezes, a gente morre de rir ouvindo um serzinho de menos de um metro com argumentos e ideias que parecem ter tirado de uma vida cheia de experiências. A verdade é que eles estão sempre copiando. São espelhos dos adultos que estão por perto. Esponjas absorvendo tudo que os circundam. Em alguns momentos, achamos graça, até ficamos impressionados com certas capacidades. O problema é imitar hábitos ruins dos adultos, e, principalmente, dos celulares. Já ouviram crianças falando: "dá um like", "se increve no canal", “oi galerinha”? São bordões do YouTube. Frases reproduzidas de vídeos. Isso está mudando o vocabulário das crianças pequenas. Elas não sabem nomear itens da casa, por exemplo, mas conseguem imitar com perfeição influenciadores. Quer fazer um teste? Abra uma gaveta ou armário da cozinha e peça para uma criança de 3 ou 4 anos anos dizer o nome de tudo o que tem lá dentro: faca, garfo, colher, espremedor de limão, peneira, espátula, panela, frigideira, etc. É um exercício interessante. São utensílios que estão ao alcance delas, mas poucas sabem os nomes corretos ou distinguir para que serve cada um deles.
Se uma criança não sabe o que é um fouet, tudo bem, um dia ela vai aprender. Agora, na primeira infância não se deve dar acesso ao celular para uma criança que ainda nem sabe falar direito, nem sabe nomear as pessoas que estão em volta. Por isso, cuidado com vídeos e linguagens das telas. Não deixe jamais o celular na mão da criança. Se for preciso fazer uma videochamada para mostrar a criança para os parentes e amigos o adulto deve segurar o celular. A criança que assiste vídeos e os supostos jogos educativos antes de dois anos pode ter atrasos significativos na fala. É um problema grave, ainda que a criança recupere o vocabulário com atraso, fica com dificuldades de aprendizagem.
Sugestão de leitura e experiência a ser compartilhada.
Roald Dahl é um dos principais escritores para crianças e seus livros ficaram ainda mais famosos quando foram adaptados para o cinema. “A Fantástica Fábrica de Chocolate” é um estudo sobre o comportamento humano por meio de cinco crianças. São lentes de aumento sobre atitudes, reações exageradas e, principalmente, personalidades que não foram forjadas para o bem. É tão evidente a caracterização dos personagens, com descrições detalhadas, adjetivos, condutas e escolhas que a leitura pode ser feita por adultos para crianças a partir de 7 anos. A leitura em voz alta desse livro é melhor do que ganhar o bilhete premiado para conhecer a fábrica de Willy Wonka. Acreditem!
Um pouco mais sobre quem escreve
Para quem ainda não segue o instagram @maislivrosmenostelas aproveito para contar um pouco mais sobre a minha trajetória. Tenho 40 anos, sou jornalista casada com jornalista e tenho 3 crianças em casa: Laura, Miguel e Cecilia. Trabalhei em jornal, site, rádio e televisão. Na GloboNews, fui produtora e editora por 14 anos. A leitura para as crianças se tornou uma prioridade quando percebi que as telas poderiam atrapalhar esse processo. Por isso, comecei a pesquisar sobre esse tema. Hoje, já consigo reunir uma série de fundamentos sobre o assunto e tenho ajudado diversas crianças no desenvolvimento da leitura. O primeiro passo para quem tem uma criança em casa é lembrar da recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria. Até 24 meses (2 anos) zero telas. Ou seja, nada de celular, televisão, tablet, computador. É possível. Para isso acontecer, o adulto também deve evitar telas perto das crianças e criar o hábito de deixar o celular mais afastado. Quem tem um dispositivo por perto vai acabar consultando, afinal, hoje é muito mais fácil abrir o google (ou falar com a Alexa) para descobrir a capital de um país do que buscar em enciclopédias, livros, dicionários, etc.