1. O que fazer primeiro?
Ler uma história é muito mais enriquecedor do que assistir a um filme baseado no livro. Os detalhes, os diálogos, a narrativa e os adjetivos estão na escrita. No roteiro adaptado, muito se perde. Ficam para trás personagens, partes da historia, e diálogos, que são considerados secundários. É compreensível. Um longa costuma ter uma hora e cinquenta minutos. Na maioria das vezes não e possível trazer para a tela tudo que se encontra na leitura. Um outro motivo importante para se ler o livro antes de ver o filme é o desenvolvimento do poder da imaginação, que só ocorre quando a criança consegue formar uma ideia antes de ver a figura pronta que é apresentada numa tela.
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Quero dividir com vocês uma história curiosa do meu sobrinho Leonardo que tinha acabado de ler as Crônicas de Nárnia (C.S. Lewis) e se espantou quando viu o filme “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa” (2006). Enquanto ele lia o livro imaginava uma figura para a feiticeira. Quando a mesma feiticeira aparece no filme tem uma imagem diferente do que ele tinha imaginado. A primeira reação dele foi negar a feiticeira do filme e dizer: “Essa não é a feiticeira, não é mesmo”. Para ele, a feiticeira real era aquela da sua imaginação. Que fantástica a capacidade de criação que existe na cabecinha de uma criança. Por isso, o adulto não deve oferecer primeiro o filme. Se a criança não consegue ler tudo, o adulto pode fazer a leitura em voz alta do livro por capítulos.
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Uma última observação: fiquem de olho na classificação etária dos filmes. Em muitas situações, a criança já tem idade para ler o livro, mas ainda não pode ver a adaptação que foi feita para o cinema. Aconteceu na nossa casa a seguinte situação: minha filha ganhou a coleção toda de “Anne de Green Gables” (Editora Ciranda Cultural), mas ela não tinha idade para acompanhar a série, por isso, ela leu todos os livros, mas até hoje não viu nenhum episódio.
2. Leitura e dever de casa
Em algumas escolas no Brasil que seguem o horário integral (as crianças e adolescentes almoçam na escola e ficam até o meio da tarde) não existe um dever de casa formal com um exercício específico para ser apresentado no dia seguinte. Quando as escolas são apenas em um turno (manhã ou tarde), em geral, existe uma folha de exercícios para ser feita ou uma página do livro a ser preenchida. Como fica a leitura nesse contexto de dever de casa?
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Conto para vocês como funciona o modelo da maioria das escolas aqui nos Estados Unidos. Ler é um dever de casa. Pode ter outro de matemática, ciências, etc. Em geral, são 20 minutos diários. Se a criança é pequena vem escrito na agenda. Os mais velhos devem preencher uma ficha. O livro pode ser escolhido pela criança ou pelos adultos. Ou seja, tema livre. O que faz diferença nesse dever que é obrigatório, mas não tem correção no dia seguinte? A formação do hábito. Passa a ser uma atividade que vira um prazer.
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Adultos que estão no @maislivrosmenostelas já experimentaram sentar todo dia por 20 minutos para ler? Sem pressa para acabar um capítulo específico, mas sem a agonia de ter que checar todas as notificações que piscam na tela do celular.
3. Escrever
Outro hábito que as crianças podem desenvolver é o da escrita simples do cotidiano. No Brasil, a atividade se aproxima com a de escrever num diário. Aqui nos Estados Unidos, eles chamam de “Morning Journal” e tem algumas características específicas. Deve ser a primeira coisa a ser feita. Então, quando chega na escola, cada um pode pegar seu caderno brochura dedicado a essa missão e colocar ali os pensamentos para aquele dia ou objetivos que a criança deseja alcançar. Pode ilustrar também. Mesmo que você não tenha nada a dizer, cria-se uma disciplina de tornar a escrita uma rotina. Fica mais fácil a cada dia conciliar a velocidade e organização dos pensamentos com a capacidade de escrever, colocando o que é mais importante no papel.
4. Toda semana tem: sugestão de livro novo e experiência a ser compartilhada
Na primeira newsletter, recomendei uma grande escritora brasileira que pode ser lida para bebês e crianças maiores. Hoje, quero falar de um clássico americano que já foi traduzido para diversas línguas, inclusive o português. “A teia de Charlotte” de E.B. White é um livro de quase duzentas páginas, com 22 capítulos, mas não se assustem. É uma leitura simples e fácil, mas de um tema profundo: a amizade. Vale a pena se sacrificar por um amigo? Recomendo a leitura por capítulos para crianças a partir dos 7 anos.
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Uma menina de 8 anos luta para que o pai não mate um filhote de porco que acabou de nascer pequenino e fraco. Fern passa a cuidar daquele animal que ainda cabe no seu colo, dando mamadeira com leite e lendo histórias para ele. O porquinho ganha nome, cresce um pouco e por ordem dos pais de Fern vai morar na fazenda do tio Homer, do outro lado da rua. Lá, o porquinho Wilbur conhece a aranha Charlotte que vai lutar para que o fazendeiro mude de ideia e deixe o animal vivo. Ela promete ao porquinho que ele vai ver os primeiros flocos de neve do Natal. Os animais são os personagens principais e o livro é repleto de diálogos entre todos os bichos que vivem na fazenda, incluindo o rato Templeton. Depois de ler o livro, aí sim, o programa do fim de semana pode ser colocar o filme “A Menina e o Porquinho” (2006) na televisão para curtir com toda a família.
5. Um pouco mais sobre quem escreve
Para quem ainda não segue o instagram @maislivrosmenostelas aproveito para contar um pouco mais sobre a minha trajetória. Tenho 40 anos, sou jornalista casada com jornalista e tenho 3 crianças em casa: Laura, Miguel e Cecilia. Trabalhei em jornal, site, rádio e televisão. Na GloboNews, fui produtora e editora por 14 anos. A leitura para as crianças se tornou uma prioridade quando percebi que as telas poderiam atrapalhar esse processo. Por isso, comecei a pesquisar sobre esse tema. Hoje, já consigo reunir uma série de fundamentos sobre o assunto e tenho ajudado diversas crianças no desenvolvimento da leitura. O primeiro passo para quem tem uma criança em casa é lembrar da recomendação da Sociedade Brasileira de Pediatria. Até 24 meses (2 anos) zero telas. Ou seja, nada de celular, televisão, tablet, computar. É possível. Para isso acontecer, o adulto também deve evitar telas perto das crianças e criar o hábito de deixar o celular mais afastado. Quem tem um dispositivo por perto vai acabar consultando, afinal, hoje é muito mais fácil abrir o google (ou falar com a Alexa) para descobrir a capital de um país do que buscar em enciclopédias, livros, dicionários, etc.